sexta-feira, 25 de outubro de 2013

AMIGOS...



"Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, 
dos tantos risos e momentos que partilhámos.

Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.

Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.

Vamo-nos perder no tempo...

Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!

- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...

Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.
E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!"

Fernando Pessoa



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

VOU VESTIR UM LINDO VESTIDO...

Imagem de J.Teixeira.


Vou vestir um lindo vestido
Todo guarnecido de poesia
Como se fora para a folia
Mão na mão, eu e a poesia
Vamos bailar noite e dia
Vou vestir um lindo vestido
Todo de poesia guarnecido
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Vamos como amantes sair
Para nós e o mundo se divertir
Para melhor viver e sonhar
Com esse vestido guarnecido
Com a poesia imbuído
E vai ser bem divertido
Como se fora um improviso
E com esse lindo vestido
Por mim e pela poesia concebido
Aconteça o que acontecer
Vamos dançar o sonho merecido
Pela noite e pela madrugada
Dando de roda a poesia eu e o vestido
Até romper a clara madrugada !

Autora Maria Tavares

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

BELEZA MADURA:::



Beleza Amadurecida

No meu corpo
Linhas expressivas aparecem no meu rosto
Gorduras insistentemente adquiridas
Tornaram-se localizadas
Onde o tempo se encarregou
De modificar o traçado original.
Trago um coração
Marcado pela alegria e a dor
De amor e de amores
Sonhos realizados
E dos que ainda estão por vir
Faço-me humana
De defeitos imperfeitos
Que se tornam perfeitos em si
A beleza de poder sentir e ser Mulher.
Não posso deter o tempo
Porque ele voa e escorre pelas mãos
Mas retenho na memória
Lembranças maravilhosas
E histórias de vidas
As marcas que tenho
Tornam ínfimas
Diante do que vejo
Da beleza amadurecida

Luciana Saldanha Lima

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

RUINAS...




Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha. 

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas. 

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos esguias e de cabelleiras embranquecidas. 

Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites réza a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar... E a lua, a contar, pára um instante - tem mêdo do frio dos subterraneos. 

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas. 

Aquellas ruinas são o tumulo sagrado de um beijo adormecido - cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes. 

Pobres velhinhas da côr do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar... 

Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés. 

Archeiros amordaçados na noite em que o côche era de volta ao palacio pela tapada d'El-rei. Grande caçada na floresta--galgos brancos e Amazonas negras. Cavalleiros vermêlhos e trombêtas de oiro no cimo dos outeiros em busca de dois que faltam. 

Uma gondola, ao largo, e um pagem nas areias de lanterna erguida dizendo pela briza o aviso da noite. 

O sapato d'Ella desatou-se nas areias, e fôram calça-lo nas furnas onde ninguem vê. Nas areias ficaram as pègadas de um par que se beija. 

Noticias da guerra - choros lá dentro, e crépes no brazão. Ardem cirios, serpentinas. Ha mãos postas entre as flôres. 

E a torre morêna canta, molenga, dôze vezes a mesma dôr. 

Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'